Notícias

O seriado 'Suits' e as faculdades de Direito nos Estados Unidos
05/06/2023

 

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

"Suits" é um seriado norte-americano que tem como linha narrativa a atividade em um escritório de advocacia. É de tirar o fôlego. Nos Estados Unidos tudo parece, de algum modo, que algum dia será objeto de disputa judicial. Não há, por exemplo, questão política que não se transforme, cedo ou tarde, em assunto forense. A impressão é de Alexis de Tocqueville, juiz, cronista, viajante, estudioso francês que visitou os Estados Unidos em 1830. Hoje, noticiários e redes sociais acompanham julgamentos e inquéritos em passo frenético.

 

 Suits (TV Series 2011–2019) - IMDb 

 

Multiplicam-se juízes ad hoc de televisão que julgam para o público que acompanha programas estereotipados e preconceituosos. Clichês, vulgaridades; um festival de quimeras. O Direito é objeto de consumo, faz parte da cultura nacional. Há viciados no acompanhamento de julgamentos. Uma mania que contamina. "Suits" segue essa linha, no que esse filão pode ter de bom e construtivo. No meu juízo, "Suits" é empolgante, estimula o estudo e, no limite, é um curso à parte de inglês jurídico. Há vários aspectos que suscitam discussões em torno da ética na advocacia, e nem sempre os personagens revelam-se como padrões de comportamento.

O seriado foi criado por Aaron Korsh, da Pennsylvania, que já foi banqueiro de investimentos. No núcleo, um profissional frio e focado, Harvey Spector, protagonizado por Gabriel Macht. Contracena com Mike Ross (Patrick Adams), que esconde um segredo: não era formado em Direito, embora impecável no resultado de suas intervenções. Em torno da dupla circulam Louis Litt (Rick Hoffmann), que cresce ao longo da série, Gina Torres (Jessica Pearson), que administra o escritório, e Sarah Raffenty (Donna), a secretária que ama Harvey secretamente, e que é correspondida. Há ainda Meghan Markle no papel de Rachel, a "paralegal", o que no Brasil seria mais do que uma estagiária e menos do que uma advogada júnior. Meghan, lembremo-nos, casou-se com Harry, príncipe da Inglaterra.

Yale, em New Heaven, Connecticut, é também muito prestigiosa. As outras faculdades de nome seriam Chicago, Stanford, Columbia, Michigan, Nova Iorque, Virginia, Duke, Pensilvânia, Georgetown, Berkeley, Cornell, George Washington. A Pace, em Nova York, tem se destacado em estudos de direito ambiental e a universidade de Boston em estudos de Direito Tributário e de Direito Comparado. Juristas egressos de Yale trabalharam com a administração de Franklyn Delano Roosevelt (durante o New Deal) e professores de Harvard auxiliaram J.F. Kennedy.

O curso dura em média três anos para aqueles que estudam em regime de tempo integral (full time). No primeiro ano estuda-se um núcleo comum com disciplinas de Processo Civil, Contratos, Propriedade, Direito Penal e Direito Constitucional. No segundo e terceiro anos estudam-se matérias eletivas, de escolha dos alunos, de acordo com projetos pessoais, dirigidos às exigências dos exames de ordens de advogados, que são estaduais.

O modelo de ensino centra-se no case method. Essa metodologia foi desenvolvida em Harvard a partir de 1870 por Christopher Columbus Langdell, professor e reitor (dean) daquela faculdade. Tinha-se como meta reivindicar-se a respeitabilidade científica e acadêmica dos estudos jurídicos. Langdell aumentou a duração do curso para três anos, passou a exigir curso superior já concluído para candidatos, estabeleceu rigoroso modelo de exames, determinou ampliação da biblioteca, contratou professores jovens, com dedicação exclusiva.

Consagrou-se um enfoque formalista do Direito. O case method parte de prévia determinação de pesada carga de leitura para os alunos. A frequência das aulas é precedida de intenso estudo. O aluno vai preparado. Decisões judiciais são rigorosamente lidas, estudadas, digeridas. Há sabatina em todas as aulas. Alguns estudantes escondem-se. Sentam-se nas últimas filas (back-benching) ou pedem formalmente (por bilhetes depositados na mesa do professor antes do início da aula) para não serem arguidos (no-hassle pass). Os lugares que os alunos ocupam na sala de aula, nos auditórios, são escolhidos no primeiro de dia de aula. Os estudantes marcam seus nomes em diagrama, que ficará em posse do professor. As secretarias (registrars) enviam fotografias dos alunos aos professores. Esses têm na mesa, ao lado dos livros, nome, fotografia e localização do aluno. O controle é absoluto.

case method é implementado ao lado do método socrático (socratic method). São as perguntas feitas pelo professor, que socraticamente dirige a aula. O nome vem da prática da filosofia grega, imortalizada nos diálogos de Platão, que nos pintou um Sócrates que perguntava o tempo todo, desconcertando seus interlocutores. Era a chamada maiêutica, o parto das ideias, pelo qual Sócrates obtinha opiniões que em seguida comentava e ridicularizava. O professor de Direito procura fazer com que o aluno deduza princípios, regras, tendências, a partir dos casos selecionados. O aluno deve descobrir a ratio decidendi.

No primeiro dia de aula o professor entrega aos alunos o programa, chamado de syllabus. Há perfeita identificação de todas as atividades, leituras e exames, do primeiro ao último dia do curso. A carga de leitura (reading load) é alta. É identificada uma bibliografia, que é obrigatória. O aluno comprará um casebook, que trará casos, textos, artigos, divididos em capítulos, e sucedidos por perguntas.

O ano letivo começa no fim de agosto. O primeiro semestre (fall semester) vai até janeiro, com pequeno intervalo para festas de Natal e Ano Novo. No fim de janeiro começa um novo semestre (spring semester) que se encerra no início de maio. As férias de verão ocupam junho e julho, porém geralmente os alunos estagiam em escritórios de advocacia (summer clerkships). As vagas são disputadas por estudantes do segundo e terceiro anos e abrem portas para a contratação que segue a cerimônia de graduação. Há também treinamento prático nas chamadas law clinics, escritórios de aplicação que prestam assistência judiciária gratuita para necessitados, carentes. Esses locais de aplicação do conteúdo aprendido em sala de aula desenvolveram-se a partir da década de 1960 e refletem suposta humanização do ensino jurídico. O maior privilégio de um aluno de Direito é pertencer ao conselho editorial da revista de sua faculdade. O ingresso no conselho depende das notas e do aproveitamento. As vagas são para alunos de terceiro ano e o trabalho de editoração consiste em se fazer criteriosa checagem de notas de rodapé. Escritórios há que condicionam a contratação do bacharel ao fato de ter pertencido ao conselho editorial da revista. Há frequentemente júris simulados, as moot courts.

 O bacharel em Direito recebe o grau Juris Doctor (JD). Não há muita procura para cursos de mestrado e doutorado em Direito. Não há exigência desses títulos para professores nas faculdades. As escolas geralmente oferecem dois cursos de mestrado (que duram um ano): em Direito Tributário (tax law ) e em Direito Comparado, esse último para estudantes estrangeiros, que estudam o Direito norte-americano. Outorga-se o título de LL.M-Master’s Degree in Law. O estrangeiro detentor do título pode candidatar-se ao exame de ordem dos advogados em 11 estados norte-americanos. Trata-se de um atalho (short cut) para o exercício da advocacia por estrangeiros nos Estados Unidos. O doutorado tem duração mais longa, pode chegar a cinco anos, exige tese original (chamada de dissertation), com defesa perante banca. Outorga-se o título de S.J.D.-Doctor in Science of Law.

É essa, em linhas gerais, uma descrição simplificada das faculdades de Direito nos Estados Unidos. Uma noção, ainda que bem sumária, pode contribuir para que se aprecie "Suits", essa deliciosa série de televisão.

 

 

Read in elglish:

 

"Suits" is an American series that has as its narrative line the activity in a law firm. It is breathtaking. In the United States everything seems, somehow, that
someday it will be the subject of legal dispute. There is, for example, no political issue that does not, sooner or later, become a forensic issue. The impression
comes from Alexis de Tocqueville, judge, columnist, traveler, French scholar who visited the United States in 1830. Today, news and social media follow
judgments and inquiries at a frantic pace.

The student is trained to think like a lawyer. The classroom environment is competitive. Those who get the best grades will go to the best benches,
to the big law firms. Competition is already intense in recruiting students. The law course is, in fact, a graduate degree. Four previous years of college
are required. Grades are used and analyzed in a rigorous selection process. This is the dreaded Undergraduate Grade Point Average (UGPA). There is
also a test called the Law School Admission Test (LSAT). The candidate's skills are measured, reading ability and comprehension, comprehension of texts
of greater complexity, ability to write properly, logical reasoning, information processing capacity, ability to analyze and summarize, power of critical argumentation.

Most law schools are private. In 1817, the most famous of all, Harvard, was founded in Cambridge, Massachusetts, initially known for its rigorism. Teaching was based on the English model of William Blackstone, whose Commentaries on the Laws of England had been taught at Oxford since the mid-eighteenth century. Harvard is now the largest law school in the United States. In "Suits", the standard of the good lawyer is initially measured by his passage through this prestigious school.

A formalist approach to Law was consecrated. The case method is based on prior determination of a heavy reading load for students. Attending classes is preceded by intense study. The student is prepared. Judicial decisions are rigorously read, studied, digested. There are sabbaticals in all classes. Some students hide. They sit in the last rows (back-benching) or formally ask (by means of tickets deposited on the teacher's desk before the start of class) not to be accused (no-hassle pass). The places that students occupy in the classroom, in the auditoriums, are chosen on the first day of class. Students mark their names on a diagram, which will remain in the teacher's possession. The secretariats (registrars) send photographs of the students to the teachers. These have on the table, next to the books, the name, photograph and location of the student. Control is absolute.

The case method is implemented alongside the Socratic method. These are the questions asked by the teacher, who socratically directs the class. The name comes from the practice of Greek philosophy, immortalized in Plato's dialogues, which depicted a Socrates who asked questions all the time, disconcerting his interlocutors. It was called maieutics, the birth of ideas, by which Socrates obtained opinions which he then commented on and ridiculed. The Law professor seeks to make the student deduce principles, rules, trends, from the selected cases. The student must discover the ratio decidendi.

On the first day of class, the teacher hands out the program, called a syllabus, to the students. There is perfect identification of all activities, readings and exams, from the first to the last day of the course. The reading load is high. A bibliography is identified, which is mandatory. The student will buy a casebook, which will contain cases, texts, articles, divided into chapters, and followed by questions.

The school year starts at the end of August. The first semester (fall semester) runs until January, with a short break for Christmas and New Year. At the end of January, a new semester (spring semester) begins and ends at the beginning of May. Summer vacations take up June and July, but students are usually interns at law firms (summer clerkships). The vacancies are contested by second and third year students and open doors for hiring that follows the graduation ceremony. There is also practical training at so-called law clinics, enforcement offices that provide free legal aid to the needy. These places of application of the content learned in the classroom developed from the 1960s onwards and reflect the supposed humanization of legal education. The greatest privilege of a law student is to belong to the editorial board of the magazine of his faculty. Admission to the board depends on grades and performance. Vacancies are for third-year students and the work of editing consists of carefully checking footnotes. There are offices that condition the hiring of the bachelor to the fact of having belonged to the editorial board of the journal. There are often simulated juries, the moot courts.

Bachelor of Laws receive the Juris Doctor (JD) degree. There is not much demand for master's and doctoral degrees in law. There is no requirement of these titles for professors in colleges. Schools usually offer two master's courses (which last one year): in Tax Law (tax law) and in Comparative Law, the latter for foreign students studying North American Law. The title of LL.M-Master’s Degree in Law is granted. The foreign holder of the title can apply for the bar exam in 11 US states. It is a shortcut (short cut) for the practice of law by foreigners in the United States. The doctorate has a longer duration, can reach five years, requires an original thesis (called a dissertation), with a defense before a bank. The title of S.J.D.-Doctor in Science of Law is granted.

This is, in broad terms, a simplified description of law schools in the United States. A notion, even if very brief, can help you appreciate "Suits", that delightful television series.

Check out this mens fashion blog:https://emptechhub.com/

 

 
 

Mais Lidas