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Por Luciano F. Fuck, Romulo M. Nagib e Sergio F. Victor
Em breve, o Supremo Tribunal Federal apreciará a ADPF nº 640/DF, ajuizada pelo Partido Republicano da Ordem Social (Pros). A medida busca resguardar a aplicação do artigo 5º, inciso II, e artigo 225, §1º, inciso VII, da Constituição de 1988 aos artigos 25, §§1º e 2º, e 32 da Lei 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) e aos artigos 101, 102 e 103 do Decreto nº 6.514/2008.
Em síntese, a ação pretende que seja vedada, em decisões administrativas ou judiciais, a interpretação dos citados dispositivos legais no sentido de que os animais apreendidos em decorrência do crime previsto no artigo 32 da Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) podem ser abatidos.
O que está em julgamento, portanto, é a constitucionalidade da determinação administrativa ou judicial de sacrificar animais apreendidos pelos órgãos de fiscalização ambiental em situação de abuso, maus-tratos, feridos ou mutilados.
O partido autor da ADPF defende que essa interpretação não está autorizada pela legislação de regência e ofende a Constituição, uma vez que, sob o pretexto de proteger os animais, acaba por permitir a continuidade da crueldade a eles infligida, desrespeitando seu direito à integridade e privando-lhes de sua vida.
Com efeito, a Lei de Crimes Ambientais dispõe claramente sobre a destinação dos animais apreendidos, como se depreende do artigo 25, §§ 1º e 2º, verbis:
"Serão prioritariamente libertados em seu habitat ou, sendo tal medida inviável ou não recomendável por questões sanitárias, entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, para guarda e cuidados sob a responsabilidade de técnicos habilitados; e
Até que os animais sejam entregues às instituições mencionadas no § 1º deste artigo, o órgão autuante zelará para que eles sejam mantidos em condições adequadas de acondicionamento e transporte que garantam o seu bem-estar físico".
Portanto, em nenhuma hipótese a lei permite o abate ou sacrifício dos animais, mas, ao contrário, zela por sua integridade e proteção. Nesse particular, a decisão que determina o sacrifício do animal apreendido ofende o princípio da legalidade (artigo 5º, II, da Constituição).
No caso, verifica-se que tanto as ações dos agentes públicos responsáveis por apreender os animais quanto as interpretações conferidas à lei extrapolam os limites de sua disposição, forçando a interpretação inconstitucional de que os animais podem ser abatidos, embora haja disposição expressa de que devem ser libertados em seu habitat ou entregues a entidades que visem o seu bem-estar.
A interpretação pelo sacrifício dos animais apreendidos ofende, também, a regra constitucional contida no inciso VII do §1º do artigo 225, que trata do dever do poder público de proteger a fauna, vedando práticas que submetam os animais à crueldade.
O Supremo Tribunal Federal já firmou, em outras ocasiões, o entendimento de que o conteúdo da norma citada no parágrafo anterior é mandamento hábil e conferir proteção aos animais contra atos cruéis.
Assim ocorreu no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.856/RJ (DJE de 14/10/2011), de relatoria do ministro Celso de Mello que, em seu voto, afirmou que a proteção constitucional também se estende aos animais domésticos ou domesticados. A hipótese abrange as situações de fato que inspiram a ADPF nº 640: o abate dos animais apreendidos em decorrência de rinhas de galo e a chamada farra do boi.
A comodidade ou conveniência do poder público ao determinar o sacrifício de animais apreendidos não pode ser fundamento para dar continuidade aos maus-tratos causados pelos crimes ambientais. Cabe à Administração promover o tratamento adequado, como prevê a legislação pátria. É imprescindível que tenham sua integridade física e, por conseguinte, a sua vida preservadas, sendo o abate a ultima ratio, em casos indispensáveis por questões sanitárias.
Indaga-se, em uma situação hipotética: qual o sentido de o poder público determinar o abate de um cavalo que tenha sido apreendido após ser submetido a maus-tratos por seu dono, puxando carroças? Rigorosamente nenhum. Estar-se-ia combatendo um mal com uma medida ainda mais cruel.
O poder público tem o dever de preservar a vida dos animais, para que não haja uma dupla falha na proteção do meio ambiente: a primeira, com o cometimento do crime previsto no artigo 32 da Lei nº 9.605/1998; a segunda, com o tratamento indevido na repreensão do mencionado crime.
Fonte:Conjur.com.br