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Por Davi Tangerino, Salo de Carvalho, Breno Zanotelli e Henrique Olive
1. Os impactos econômicos da pandemia do novo coronavírus são notórios, afinal, a principal medida preventiva do momento é o isolamento social, necessariamente afetando as operações de toda sorte de prestação de serviço, comércio e indústria.
Nesse cenário, muitas empresas enfrentam uma redução drástica de receitas, mas com a manutenção de inúmeras despesas ordinárias: pagamento de pessoal, custos de energia e de manutenção, despesas de aluguel e, logicamente, obrigações tributárias.
Com incerteza quanto à duração do período de estagnação, as empresas cada vez mais se questionam quanto à natureza e a extensão dos cortes que precisarão realizar.
Assim, é imprescindível que o Estado intervenha para, além de promover o desenvolvimento de políticas sanitárias e de apoio às pessoas em dificuldades financeiras e que perderam renda, evitar a extinção de empregos decorrente da crise nas empresas. Por outro lado, em que pese a necessidade de arrecadação para financiamento de políticas públicas urgentes, os efeitos desta pandemia podem ser significativamente reduzidos com a flexibilização quanto ao cumprimento de obrigação tributárias pelas empresas, para além de reduções de alíquotas de impostos sobre produtos diretamente relacionados às medidas sanitárias.1
Na Câmara dos Deputados encontram-se projetos que, se efetivados, contribuiriam significativamente neste sentido, como o Projeto de Lei Complementar 29/2020, que chega a prever isenção de quase todos os tributos e contribuições aos integrantes do “Simples”; e o Projeto de Lei 1143/2020, que visa a conceder moratória quanto aos tributos federais por noventa dias, com posterior possibilidade de adesão a programa de parcelamento2, com a condição de que o contribuinte mantenha os postos de trabalho.
No entanto, até o momento, pouco se fez neste sentido.
Destacam-se, p. ex., (a) a MP 932, de 31 de março de 2020, que reduziu as alíquotas das contribuições sociais a serviços sociais autônomos; (b) a Resolução n. 152 e a Resolução n. 153, pelo CGSN, que prorrogam o prazo para pagamento e cumprimento de obrigação acessória, respectivamente, em âmbito do Simples Nacional; e (c) a Portaria n. 7.810 da PGFN, que estabelece condições para transação extraordinária na cobrança da dívida ativa da União. Ademais, estão suspensas diversas atividades relacionadas a cobranças de dívidas ativas (moratória procedimental e processual), tanto em âmbito da União (Portaria ME n. 103, Portaria RFB N. 543, e Portaria n. 7.821 da PGFN), como por meio de normas em âmbito estadual, face a situação de calamidade pública reconhecida por todo o país.
Inevitável (e natural), ainda, que nesta situação de calamidade pública se postule a prorrogação dos prazos de obrigações tributárias com base nas normas da Portaria MF n. 12, de 20 de janeiro de 2012, e da IN RFB n. 1.243, de 15 de janeiro de 2012. Na prática, o que se tem defendido é uma moratória tributária (arts. 152 e ss. do CTN), cuja implementação dependeria, em tese, de edição de lei.
Em tese porque já existem decisões judiciais no sentido de que a reserva de lei estaria atendida no art. 66 da Lei 7.450/1985, que atribui competência ao Ministro da Fazenda para fixar prazos de pagamento de receitas federais compulsórias, de modo que não haveria óbice à aplicação dos atos normativos de 2012.3 Esta decisão não apenas difere o prazo para pagamentos de tributos federais vincendos, como também o permite quanto a prestações de parcelamentos junto à RFB e a PGFN. Há também decisões que concedem o diferimento sem se utilizar do art. 66 da Lei 7.450/19854 e, ainda, outra, do Distrito Federal, que se fundamentou na Teoria do Fato do Príncipe e nas decisões em sede liminar no STF que prorrogaram o pagamento de dívidas dos estados com a União.5
No entanto, a ausência de lei que concede a moratória e a ausência de regulamentação prevista no art. 3º da Portaria MF 12/2012 fundamentaram, em outros casos, a negativa da prorrogação dos vencimentos de impostos e contribuições sociais: “se o Poder Judiciário concedesse prorrogação do pagamento dos tributos federais, não só estaria atuando como legislador positivo, uma vez que a moratória depende de lei (art. 153 do CTN), como também usurparia competência dos outros poderes, o que evidentemente não lhe é dado.”6
O quadro atual revela, portanto, lacunas normativas que se desdobram em decisões contraditórias, em um momento no qual é necessário um mínimo de segurança jurídica. É exatamente a ausência de normas específicas e definitivas na regulação da matéria que produz variações em julgados que se em determinado momento são favoráveis, em outro são desfavoráveis ao contribuinte.
2. Assim, fundamental perguntar: quais são os efeitos desta insegurança jurídica em âmbito penal?
A resposta perpassa pela compreensão de dois momentos distintos: i) o caótico presente, no qual se discute a existência ou não do direito de adimplir as obrigações tributárias em data posterior; e ii) o incerto futuro, em que se discutirá se eventual não pagamento de tributo constitui crime.
No presente, (a) não havendo qualquer norma que assegure ao contribuinte o não cumprimento das obrigações tributárias por um determinado prazo e (b) inexistindo decisão judicial no caso concreto (como as referidas), é possível dizer que eventual inadimplência acarrete consequências penais, com a instauração de investigações e, posteriormente, ações penais diversas.
Lembre-se, ainda, que recentemente o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RHC 163.334/SC7, literalmente criou um novo e perigoso crime tributário: apropriação de ICMS, de maneira contumaz, sem recurso a qualquer fraude.
Portanto, o não cumprimento das obrigações tributárias, ainda que em decorrência da pandemia de coronavírus, pode ensejar imputações de natureza penal, de modo que a preocupação dos administradores deve ir além dos juros e multas moratórios, das inscrições negativas e da impossibilidade de contratar com a administração pública.
Fonte:Conjur.com.br