Notícias
Leis municipais que obrigam cinemas a dar entradas grátis para uma parcela da população, sem nenhuma contraprestação, ferem a Constituição da República. Isso porque as normas violam frontalmente a livre iniciativa, fundamento do Estado e da ordem econômica, conforme os artigos 1º, inciso IV, e 170, caput, bem com o princípio da propriedade privada, contemplado no artigo 170, inciso II.
Por isso, a 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul anulou a multa que a Prefeitura de Santa Cruz do Sul aplicou a uma rede de cinemas, por não conceder a doadores de sangue livre acesso às sessões. O benefício – que contempla, também, casas de diversão, espetáculos teatrais, musicais e circenses, salões de baile, entre outros – está previsto no artigo 1º da Lei Municipal 3.566/00, na redação dada pela Lei Municipal 5.445/08.
A empresa de cinemas entrou com ação para anular o auto de infração e a multa de R$ 7 mil que sofreu, cumulada com ação declaratória de inexistência de relação jurídica obrigacional em face do município. Nos processos, alegou que foi surpreendida com a notificação administrativa do Executivo, referente à cobrança de meia entrada no valor dos ingressos para as pessoas doadoras de sangue. Informou que, além de ficar sem respostas para o recurso administrativo que contestou a multa, ainda viu seu nome inscrito em cadastro de dívida ativa. A companhia disse que o município não pode interferir diretamente em atividades econômicas específicas.
Lei protetora da saúde
A juíza Josiane Caleffi Estivalet, da 1ª Vara Cível de Santa Cruz do Sul , julgou improcedente a ação anulatória. Primeiro, citou o artigo 4º da referida lei que, em suas disposições, prevê a imposição de multa aos infratores. Depois, observou que não há qualquer vício no procedimento da municipalidade, já que foi oportunizada à empresa o contraditório e a ampla defesa na esfera administrativa.
Reprodução
‘‘Ainda, como bem salientado pelo MP, não há como dar guarida à pretensão da autora quando alega que a lei seria inconstitucional, na medida em que não se trata de regulação da atividade econômica, como pretende fazer crer a demandante, mas sim de uma lei que visa a proteção da saúde de toda uma comunidade, através do incentivo à doação de sangue, não havendo que se falar em inconstitucionalidade da lei’’, diz a sentença. Afinal, diz ainda a juíza, o artigo 30, incisos I e II, da Constituição, diz que compete aos municípios ‘‘legislar sobre assuntos de interesse local; e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber”.
Interesse privado comprometido
Já no TJ-RS, a desembargadora Marilene Bonzanini, relatora do recurso, viu o litígio por outro ângulo, tanto que encaminhou voto para suscitar incidente de inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei 5.445/08, ‘‘afetando’’ o Órgão Especial. É que, a seu ver, não se trata apenas de analisar o cumprimento da legislação corrente, já que a questão posta nos autos ultrapassa a mera aplicação do princípio da legalidade, merecendo maior reflexão. E não só: o caso envolve concessão de entrada gratuita, sem nenhuma contraprestação, estendida obrigatoriamente ao setor privado.
‘‘Dentro desse sentido, não se pode deixar de considerar que [a] intervenção do apelado – é bem verdade que com espírito altruístico e solidário – na atuação da empresa – impondo-lhe, sem contraprestação, ônus relativo à concessão de gratuidade total aos doares de sangue – está a ferir de morte os princípios da livre iniciativa e da propriedade privada, pois restou criada obrigação nova que poderá afetar drasticamente o faturamento da apelante e em consequência o seu lucro, características de sua atuação empresarial que estão em sintonia com a ordem constitucional em vigor’’, fundamentou a desembargadora na peça em que pediu a análise da constitucionalidade.
Em resposta à provocação, o Órgão Especial da corte acolheu o incidente, considerando inconstitucional a norma.
Clique aqui para ler a sentença.
Clique aqui para ler o acórdão.
Processo: 0306376-94.2015.8.21.7000
Fonte: Conjur.com.br