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Audiência de Custódia - Aspectos básicos
13/07/2015

Audiência de Custódia

Por Sandro Caldeira

 custodia

Noções preliminares

Apesar de se tratar de um tema recentemente colocado em discussão no cenário doutrinário e jurisprudencial brasileiro, a audiência de custódia já é aplicada em muitos países ocidentais, sendo inclusive prevista há muitos anos em Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil.

A pressão internacional, em virtude de denúncias realizadas contra o Estado brasileiro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, pelo não cumprimento da citada audiência pelo qual o Brasil se obrigou, bem como a luta interna a favor da implantação e regulamentação desse direito vem crescendo exponencialmente, tendo como primeiros resultados a criação de provimentos de Tribunais de Justiça Estaduais a respeito do tema, de forma regionalizada, como em São Paulo, por exemplo, gerando inclusive o relaxamento de prisões efetuadas sem o respeito a indigitada audiência.

 

Conceito de Audiência de Custódia

Entende-se por custódia  como o ato de guardar, de proteger algo ou alguém. A audiência de custódia, se relaciona com essa ideia, e consiste, portanto, na apresentação do preso em flagrante, sem demora, à presença de uma autoridade judicial, que deverá, a partir de prévio contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a Defesa, exercer um controle imediato da legalidade e da necessidade da prisão efetuada, bem como apreciar questões relativas à pessoa do cidadão conduzido, tais como a possibilidade de configuração de maus tratos ou tortura.

Outro não foi o entendimento contido no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (item 44) que trata especificamente da necessidade de realização da audiência de custódia, in verbis:Criação da audiência de custódia no ordenamento jurídico brasileiro para garantia da apresentação pessoal do preso à autoridade judiciária em até 24 horas após o ato da prisão em flagrante, em consonância com o artigo 7º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica), à qual o Brasil se vinculou em 1992”

 

Muitos sustentam que a garantia da Audiência de Custódia está prevista em diversos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Vejamos:

1)      Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica): prevê que “Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais (…)” (art. 7.5).

2)      O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos estabelece que “Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais (…)” (art. 9.3).

3)      A Convenção Europeia de Direitos Humanos, por sua vez, garante que “Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais (…)” (art. 5.3).

 

Assim, podemos constatar que oprincipal objetivo da implementação da audiência de custódia no Brasil é ajustar o processo penal brasileiro aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos aos quais o Brasil é signatário, expurgando qualquer  ilegalidade/arbitrariedade porventura existente na prisões em flagrante realizadas, tornando mais eficaz a observância dos direitos fundamentais, bem como trazendo maior garantia à integridade do preso.

 

Impende destacar que na esteira do debate acerca da audiência de custódia, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei do Senado – PLS nº 554, de 2011, o qual visa instituir a obrigatoriedade de apresentação de toda pessoa presa diretamente ao juiz no prazo de 24 horas após a prisão em flagrante, cuja tramitação se encontra na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Entretanto, cabe destacar que pela simples leitura dos dispositivos previstos nos tratados internacionais constata-se que não há nos citados textos qualquer previsão da audiência de custódia ou algo semelhante, mas tão somente que o custodiado deve ser conduzido sem demora à presença de um juiz ou “outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais”.

A expressão “outra autoridade” parece deixar claro que não existe a obrigatoriedade de apresentação do detido exclusivamente ao juiz, pois se a intenção fosse essa, constaria a expressão outra autoridade judiciária ou então encerraria na expressão juiz, visto que não haveria de se falar em outra.

A Resolução nº 43/73, da Assembleia Geral, de 9 de dezembro de 1988, da Organização das Nações Unidas, traz o “Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão” define o conceito de “outra autoridade”, para os tratados sobre direitos humanos, como “outra autoridade estabelecida nos termos da lei cujo estatuto e mandato ofereçam as mais sólidas garantias de competência, imparcialidade e independência”.

 Assim, sob a ótica do ordenamento jurídico interno, podemos entender que o Delegado de Polícia é a autoridade autorizada e habilitada pela Carta Magna e por diversas leis federais a exercer funções tipicamente judiciais, por exemplo, quando arbitra fiança como condição para concessão da liberdade do preso em flagrante, quando apreende um bem relacionado ao crime, quando promove o indiciamento, ato que se reveste das mesmas características de decisão judicial, nos termos do §6º, do art. 2º, da Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013, verbis:

“O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias”.

Importante salientar que a Lei nº 12.830/2013, por sua vez, estabeleceu regras que garantem a autonomia do Delegado de Polícia em sua atividade, tais como a exigência de despacho fundamentado com base no interesse público ou descumprimento de normas regulamentares para que o inquérito possa ser avocado (art. 2º, § 4º); a necessidade de fundamentação para que o delegado possa ser removido de sua lotação (art. 2º, § 5º); a previsão de que o indiciamento é ato privativo do delegado de polícia (art. 2º, § 6º); além de lhe ser deferido o mesmo tratamento protocolar dispensado a magistrados, promotores e advogados (art. 2º, § 7º).

Dessa forma, podemos sustentar que a Autoridade Polical encontra-se inserida no conceito amplo de “Autoridade” previsto nos tratados de direitos humanos, razão pela qual se conclui que o sistema processual brasileiro não só está de acordo com os tratados internacionais, como estabeleceu, em verdade, um duplo controle de legalidade da prisão em flagrante, realizado, em um primeiro momento, pelo Delegado de Polícia, e em um segundo, pelo Juiz de Direito.

Conclusão:

Por fim, para os que sustentam pela necessidade imediata de apresentação do preso em flagrante para o magistrado através da Audiência de Custódia, seu não cumprimento configurar-se-á em prisão em flagrante ilegal, com seu consequente relaxamento, face a não observância dos Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário, haja vista sua aplicação imediata, por se tratar de norma atinente ao exercício de direitos fundamentais.(art. 5º, §1º da CRFB/88)

É o que podemos depreender pela recente decisão liminar proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro no HC nº 0064910-46.2014.8.19.0000, que condeceu a Ordem e determinou a soltura do preso em virtude da ausência da Audiência de Custódia.

Para outros, ante ausência de previsão no CPP e na lei especial, bem como o fato do Pacto São José da Costa Rica exigir que o preso seja apresentado à autoridade judicial sem qualquer fixação de prazo para esta ocorrência, não dispondo acerca de qualquer ilegalidade relativa a não apresentação do preso no momento pretendido pela defesa, o que se coaduna com a realidade, eis que absolutamente inviável a realização da audiência imediatamente após a prisão de cada réu, não havendo que se falar em ilegalidade da prisões efetuadas, pois a Autoridade Policial deve ser considerada a ”outra autoridade” para quem o custodiado deve ser conduzido sem demora.

 

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