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STF restringe foro de prerrogativa de função para deputado e senador
04/05/2018

o Supremo Tribunal Federal restringiu nesta quinta-feira (3/5) o alcance do foro privilegiado para deputados e senadores. Só serão investigados na Corte casos sobre supostos crimes de parlamentares que tenham sido cometidos no mandato e que tenham relação com o cargo. Os próprios ministros, no entanto, admitem que há dúvidas  em relação a aplicação e extensão da nova regra.

 

A decisão oi tomada em cinco sessões, ao longo de quase um ano e com dois pedidos de vista. A questão dividiu o plenário da Corte em três correntes.  A primeira e majoritária (sete votos) seguiu o relator, ministro Luís Roberto Barroso, no sentido de que só fica no STF o caso que tratar de crime no cargo e em razão da função.  A outra, resistente em derrubar a prerrogativa, pregou que será investigado no STF todo crime cometido após a diplomação como parlamentar. A última linha defendeu determinar a limitação a partir da diplomação para todas as autoridades.

O impacto da decisão nos processos em andamento na Corte ainda vai ser calculado pelos ministros e exigiu negociações de bastidores até o último minuto para tentar estabelecer limites mais claros para a aplicação da tese de Barroso. Segundo o STF, há 540 inquéritos e ações penais em tramitação na Corte envolvendo pessoas com foro. Na Lava Jato, são mais de 100 inquéritos envolvendo os principais políticos do país com mandato.

O entendimento fixado tem potencial para gerar uma série de questionamentos sobre a aplicação da tese nos casos em tramitação do STF. Os próprios ministros têm dúvidas de quais casos serão enquadrados e avaliam que há chance de gerar uma enxurrada de questionamentos sobre a declinação de competência.

Relator, Roberto Barroso afirmou que foi definido um princípio geral. “Eu acho que, a partir desta decisão, tudo vai ter que ser repensado. Apenas como que o caso concreto envolvia um prefeito que se tornou parlamentar, a tese que eu propus no meu voto se referia a parlamentar, mas a ideia de que regime de privilégio não é bom… O regime de privilégio não é bom e que, portanto, o foro deve ser repensado de alto a baixo, eu acho que ela vai se espraiar pela sociedade e esta matéria vai voltar para cá”, afirmou.

“E aí, eu acho que nós já fixamos um princípio geral. Talvez tenha que fazer um recorte aqui ou ali, dependendo de cada situação: tem juiz, tem promotor, tem secretário de estado, mas o princípio eu acho que é a ideia de republicanismo e de igualdade”, completou.

“E as medidas investigatórias e cautelares, como ficam? Poderia um juiz de primeira instância quebrar sigilo de qualquer um? Se o STF entende que pode investigar presidente… Poderia um dos mais dos 18 mil juízes do Brasil determinar busca e apreensão no Palácio do Planalto?”, questionou Gilmar.

A Constituição prevê o foro por prerrogativa de função, o chamado “foro privilegiado”, garantindo a diversas autoridades de serem julgadas por uma instância superior. Pela Constituição, prefeitos, juízes de primeiro grau, integrantes do Ministério Público e deputados estaduais, por exemplo, são julgados na segunda instância. Governadores são julgados no Superior Tribunal de Justiça. Presidente da República, vice, ministros de Estado, senadores e deputados federais só podem ser julgados pelo Supremo.

Os ministros discutem uma questão de ordem proposta por Roberto Barroso na ação penal 937 contra o prefeito de Cabo Frio, Marquinhos Mendes (PMDB-RJ), que era deputado e deixou o cargo para assumir a chefia do município. Ele foi acusado de compra de votos em 2008 e o caso chegou ao STF em 2015.

Ao votar em 31 de maio de 2017, o ministro pregou a chamada “mutação constitucional em sentido técnico”, sendo que o modelo atual de foro fere os princípios de igualdade, moralidade administrativa e o republicano. Acompanharam o relator: Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux e Celso de Mello.

A divergência foi aberta por Alexandre de Moraes defendendo que a restrição do foro privilegiado, mas com outro alcance. Para o ministro, cabe ao Supremo investigar crimes de deputados e senadores após a diplomação do político para o cargo, seja qual for a suspeita. Votou nessa linha o ministro Ricardo Lewandowski.

Dias Toffoli chegou acompanhar essa tese, mas ajustou o voto e propôs estender o marco temporal da diplomação para a restrição para todas as autoridades, invalidando até as constituições estaduais, o que poderia atingir o benefício para 16 mil cargos. Gilmar Mendes também votou nesse sentido.

Em entrevista ao fim do julgamento, Barroso comemorou a decisão tomada pelo tribunal e afirmou que ela não acaba com a impunidade, mas resolve este problema no STF. O ministro admitiu que o plenário ainda deverá enfrentar dúvidas relativas à restrição do foro: “Há muitas situações em aberto. Eu acho que o princípio geral nós estabelecemos, mas é preciso que venham outros casos, com suas próprias peculiaridades, para definir cada situação”, disse.

Apesar disso, o magistrado opinou sobre duas dúvidas relativas ao tema. Em relação à prisão de parlamentar que for processado e condenado em segunda instância, ele acredita que a detenção é automática, assim como ocorre com cidadãos comuns. “Acho que vale para parlamentar o que vale para todo mundo”, disse.

Por outro lado, Barroso disse que ainda não foi definida se as regra do foro diz respeito a crimes ao atual mandato do investigado ou se também contempla casos de deputados e senadores que se reelegeram e seguem no mesmo cargo.

Desfecho

Após um pedido de vista de Toffoli em novembro, o julgamento foi concluído nas duas sessões plenárias desta semana. Na quarta, votaram Toffoli e Ricardo Lewandowski. Na sessão de hoje, Toffoli voltou a fazer um ajuste no voto propondo que a limitação do foro tivesse efeito não só para congressistas, mas para todas as autoridades.

“Nossa decisão suscitará questionamentos sobre outros detentores. Vou fazer adendo e retificação do meu voto no sentido de trazer alguns balizamentos em relação a outros cargos e funções no que pertine a aplicação ou não do foro. Tendo em vista a ideia de isonomia, não podemos somente restringir foro aos parlamentares. Temos então de aplicar essa interpretação a todos enquanto tenham foro de prerrogativa”, disse.

Gilmar Mendes votou também pela restrição do foro privilegiado para aqueles crimes a partir da diplomação ou nomeação, incluindo todas as autoridades, não só parlamentares. “[É] presumível que os tribunais de maior categoria tenham maior isenção para julgar os ocupantes de determinadas funções públicas, por sua capacidade de resistir, seja à eventual influência do próprio acusado, seja às influências que atuarem contra ele”, afirmou.

Assim a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, proclamou o resultado:

“Por maioria e nos termos do voto do relator, fixando-se que o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionado às funções desempenhadas.
Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação das alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será afetada em razão de o agente político vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo, com o entendimento de que essa nova linha interpretativa deve-se aplicar imediatamente aos processos em curso, com a ressalva de todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e pelos demais juízes, com base na jurisprudência anterior, conforme precedente na questão de ordem no inquérito 687, relatado pelo ministro Sidney Sanches”.

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